Importante ressaltar que os atos que decorrem da relação de trabalho devem tramitar perante a Justiça do Trabalho.
Atualmente, o bem de maior valia de uma empresa são seus conhecimentos, informações e dados utilizáveis na prestação de serviços e comércio. Por outro lado, está cada vez mais comum um funcionário se beneficiar da posição que ocupa na empresa para compartilhar tais informações com terceiros, em seu próprio benefício, de forma parasitária ou em concorrência desleal.
Os funcionários possuem acesso a tais documentos e informações confidenciais em decorrência da relação de trabalho mantida com a sua empregadora e muitas empresas proíbem expressamente o desvio de documentos confidenciais e sigilosos por meio de avisos, treinamentos, assinatura do código de ética e termos de confidencialidade.
De fato, existe proteção legal conferida aos dados sigilosos das empresas, conforme se depreende da leitura da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96).
Não foi por menos que o Legislador elegeu à ultima ratio do direito a condenação por tais expedientes, dispondo no artigo 195 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96) o crime de concorrência desleal:
Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:
XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;
A concorrência desleal está definida na Convenção da União de Paris, principal texto internacional sobre o assunto, no artigo 10 bis, 2: “constitui ato de concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial e comercial”.
Fato é que o conjunto de dados, informações e tecnologia dos sistemas informatizados da empresa, obtidos ao longo de anos de trabalho, e protegidos como conhecimentos reservados, representam um valor competitivo considerável, e indisponível de outras fontes, na forma como se apresentam. Como tal, esse conjunto de dados se classifica como segredo de empresa[1].
Dessa forma, havendo um vazamento de informações e utilização indevida de propriedade intelectual da empresa pelo colaborador, com consequente danos causados ao empregador, esse primeiro possui o direito de intentar ação indenizatória e inibitória em face do funcionário.
Em primeiro lugar, importante ressaltar que os atos que decorrem da relação de trabalho devem tramitar perante a Justiça do Trabalho, por força da disposição contida no artigo 114, inciso I e VI, da Constituição Federal, alterado pela Emenda Constitucional nº 45. Sendo assim, eventual ação do empregador em face do empregado, tanto com fim de inibir a utilização dos dados obtidos por quebra de confiança pelo colaborador, tanto para obter indenização por danos materiais e morais, deverá ser distribuída perante uma das Varas Trabalhistas da comarca competente.
Dito isto, adentramos ao tema da prescrição da ação em si, sendo que a discussãogira em torno da aplicação do prazo de prescrição trabalhista de cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho (art. 7º, XXIX, CF) ou de prescrição cível de 5 anos (art. 225, da Lei 9.279/96), bem como qual seria o início da contagem do prazo.
A Carta Magna dispõe que:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXIX – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho
Pela leitura do dispositivo legal, entende-se que a ação trabalhista é um direito dos trabalhadores, urbanos ou rurais. No entanto, no caso do empregador contra o funcionário, aplica-se a Constituição ou devemos aplicar a Lei nº 9.279/96 que determina a prescrição cível de 5 anos para reparação de dano causado ao direito de propriedade industrial?
Considerando que a pretensão do empregador é nitidamente cível ao acionar judicialmente o ex-funcionário que se aproveitou de forma parasitária ou em concorrência desleal, a jurisprudência entende que o prazo prescricional é o cível, contido na Lei Especial de Propriedade Intelectual.
Nossos Tribunais já entenderam em diversas oportunidades que a ação indenizatória com base no direito de propriedade intelectual não envolve qualquer prestação ou verba de caráter trabalhista ou questões relacionadas ao contrato de trabalho em si, sendo inaplicável a disposição do art. 7º, da Constituição Federal, adotando-se a prescrição de 5 anos prevista na lei especial 9.279/96. Neste sentido:
“DANOS MORAIS – PRESCRIÇÃO – INAPLICABILIDADE DA NORMA PREVISTA NO ARTIGO 7º, XXIX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. A reparação de danos materiais ou morais não constitui crédito trabalhista, ainda que decorrentes da relação de emprego. Ao contrário, tem natureza civil, decorrendo do ato ilícito, perpetrado por alguém – no caso, o empregador -, atingindo o patrimônio ou a personalidade, a honra, a intimidade, etc., de uma outra pessoa (ensejando, portanto, uma Ação de natureza pessoal). Não se trata, pois, de crédito, propriamente dito, muito menos de crédito trabalhista – não se aplicando, portanto, a norma prescricional afeta a este último. Tanto que a reparação do dano moral pode dar-se, de modo diverso do pagamento em pecúnia, como, por exemplo, com a publicação de nota de desagravo – que, indiscutivelmente, tem natureza de crédito. A obrigação de indenizar, portanto, não sendo um crédito trabalhista, afasta a aplicação do artigo 7o., XXIX, da Constituição, aplicando-se ao instituto civil as regras contidas no respectivo diploma.” (TRT 3ª Região. Decisão: 25.09.2006. Proc. nº 00452.2006.129.03.00-9, Primeira Turma. Relator: Manuel Cândido Rodrigues).
Ainda, mutatis mutandis:
INDENIZAÇÃO MATERIAL. IMPLANTAÇÃO DE INVENTO. PRESCRIÇÃO. CÓDIGO CIVIL E LEI 9.279/96. A indenização decorrente da implantação e uso de invençãorealizada pelo obreiro, embora decorrente do contrato de trabalho, não tem natureza trabalhista, sendo a ela aplicada regra específica. Assim, inobservado o prazo para exercer o direito de ação previsto em lei, impõe-se o reconhecimento da prescrição e, por consequência, a extinção do processo, com resolução do mérito, na forma do art. 269, IV, do CPC. (Recurso Ordinário nº 0067600-91.2009.5.17.0012 – TRT 17ª Região – Origem 12ª Vara do Trabalho de Vitória – ES – Desembargador Relator José Luiz Serafini – Ac. 3884/2015 – Publicado em 27/10/2015)
No referido acórdão, o I. Desembargador Relator afirmou que “É certo que a competência desta Especializada para processar e julgar a presente demanda não se confunde com a prescrição a ser aplicada. Assim sendo, entendo não ser hipótese de aplicação da prescrição trabalhista, vez que a causa de pedir envolve direito autoral de natureza civil.”, inclusive fazendo menção a julgado referência sobre o tema, de relatoria do Ministro João Oreste Dalazen, nos autos do Recurso de Revista nº 749341-33.2001.5.03.5555.
No mesmo sentido, foi a decisão proferida pela Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região no processo nº 0000823-78.2015.5.19.00006, in verbis:
“Os créditos trabalhistas provenientes da relação de emprego não são constituídos diante de uma reparação de danos seja estes materiais ou morais. Este enseja uma ação de natureza pessoal, por ser oriundo de um ato ilícito cometido por uma pessoa, alcançando o patrimônio ou a personalidade, a intimidade, a honra, etc., de uma outra pessoa, portanto, tem natureza civil. Não se trata, pois, de crédito, propriamente dito, muito menos de crédito trabalhista, não se aplicando a norma prescricional indicada a este último. Tanto que a reparação do dano moral pode se dar de modo distinto do pagamento em pecúnia, como, por exemplo, com a divulgação de nota de desagravo que, indiscutivelmente, tem natureza de crédito. A incidência da norma jurídica e a obrigação de prestar a outrem são fatores indispensáveis que levam ao direito de crédito. A origem do direito à inviolabilidade da honra e à imagem não está presente na esfera trabalhista, embora possa ser desobedecido em razão do contrato de trabalho. Estes direitos são garantias individuais ínsitos no texto constitucional, excedem até os limites do código civil, apesar de derivados das partes do contrato de trabalho. A obrigação de indenizar, portanto, por não ser um crédito trabalhista, afasta a aplicação do artigo 7º, XXIX, da Constituição, aplicando-se as regras do instituto civil.”
Inclusive, corroborando a tese de aplicação do prazo prescricional previsto na norma cível, podemos fazer um paralelo com a recente decisão proferida no processo nº 10248-50.2016.5.03.0165, publicada em junho de 2018, em que a Seção de Dissídios Individuais (SDI) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em um caso que figurava no polo ativo da demanda os familiares de funcionário que faleceu em virtude de acidente de trabalho, almejando reparação de danos em face da empregadora, momento em que a SDI decidiu pela aplicação da prescrição cível, de três anos, prevista no artigo 206, §3º, inciso V, do Código Civil.
Sendo assim, o TST entendeu que o direito material abordado no caso teria substância civil e, portanto, a prescrição aplicável é a prevista no Código Civil.
Quanto à contagem do prazo prescricional da ação reparatória de danos e inibitória a ser proposta pelo empregador, esta deve ter início com a rescisão do contrato ou com a ciência inequívoca do vazamento de informações por parte do empregado?
A melhor doutrina e jurisprudência entendem que o início do prazo prescricional deve ser da ciência do empregador quanto aos desvios das informações.
Em analogia, podemos dizer que se a pretensão do empregador consiste em reparação de danos morais e materiais, decorrente do vazamento e utilização indevida de informações da empresa, aplica-se o conceito de actio nata, que reza que a contagem de prazo de prescrição somente seria possível à partir do conhecimento da violação do direito, insculpido na Sumula nº 278, do Superior Tribunal de Justiça:
O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.
Dessa forma, o início do prazo de contagem da prescrição para reparação de danos seria a partir da ciência inequívoca do empregador do compartilhamento e uso de suas informações, pelo funcionário, de forma indevida e sem autorização. Por outro lado, iniciar a contagem do prazo prescricional da data da rescisão do contrato de trabalho seria proteger e favorecer tais condutas pelos colaboradores mal-intencionados.
Portanto, ações de cunho indenizatório e com eventual pedido de obrigação de não fazer, para que o ex-colaborador se abstenha de utilizar os dados obtidos de forma irregular, devem ser distribuídas na Justiça do Trabalho, com aplicação do prazo prescricional quinquenal previsto no artigo 225, da Lei nº 9.279/96, devendo esse prazo ser contado a partir do nascimento da pretensão reparatória do direito subjetivo violado, ou seja, quando a empresa tomou ciência do desvio de valores de sua titularidade.
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[1] Sobre a utilização ilícita de software, base de dados e segredo de sociedade, para beneficiar outra sociedade: BORGES BARBOSA, Denis, Ilicitude Da Utilização Não Autorizada, Por Sócio, De Elementos Imateriais Do Ativo Da Sociedade Em Outra Empresa, Da Qual Participa in denisbarbosa.addr.com 20.10.12.